Desirée dos Santos

FICHA TÉCNICA Desirée dos Santos: atuação e narração Julia Raiz: filmagem e edição
FICHA TÉCNICA Desirée dos Santos: atuação e narração Julia Raiz: filmagem e edição

Lambendo minhas feridas trata-se de um vídeo-poema construído a partir da narração de poesias e da captação de imagens feitas no centro da cidade de Curitiba (PR). Neste vídeo-poema eu, Desirée dos Santos, me insiro como protagonista em espaços não-turísticos da capital paranaense e evoco-me em primeira pessoa narrando três poesias de minha própria autoria - Black Women, Lambendo minhas feridas e Minhas garras.

A necessidade de se narrar a própria história, além do enxergar-se a si mesma sem as imagens estigmatizadas que são construídas sobre nós, mulheres negras, é uma forma de desobedecer às narrativas hegemônicas que são legitimadas pela modernidade. Modernidade esta que reforça uma concepção linear de tempo e que nos insere, inevitavelmente, nos traumas de uma mentalidade colonialista ainda existente. Contudo, voltar-se para si e ocupar-se de si são posturas ainda muito radicais dentro das demandas sociais e políticas que pouco validam nossas linguagens e corporeidades. E não deixa de ser uma maneira de se pensar os espaços urbanos e a coletividade.

Voltar o olhar para si e olhar-se em frente ao espelho de maneira amigável é um processo truncado e enigmático nesta sociedade padronizada, justamente porque exige uma relação mais aprofundada com nossa autoestima. A autoestima, segundo Joice Berth (2019), é o fortalecimento da nossa relação com nós mesmas e não tem uma relação muito direta com ideais de beleza. Dessa forma, quando encaramos nosso reflexo no espelho com menos autocrítica ou sem cobrança, estamos prestando atenção não simplesmente a uma questão estética, mas ao engajamento político de que devemos ter afeto por nós mesmas, independente do que os padrões estéticos da sociedade nos impõem.

A autonomia do amor, uma das questões centrais do vídeo-poema, pode ser mantida por meio de um olhar mais generoso a ser direcionado ao espelho, este objeto que reflete imagens e geralmente se vincula a termos como beleza, estética, vaidade, narcisismo. Não por acaso, todos os poemas narrados começam com uma cena no espelho. Existem muitas histórias que trazem o espelho como simbologia para


as questões estéticas femininas, assim como existem muitas referências de mulheres na história cuja simbologia é mobilizada juntamente com este objeto. Um exemplo disso é Oxum, orixá do amor e da beleza que tem o espelho como um de seus principais símbolos. Amaterasu, a deusa xintoísta do Sol no Japão também possui um espelho vinculado a sua imagem. Ambas são referências importantes e possuem a exaltação daquilo que é belo em suas histórias. Desconstruir o conceito de beleza também é importante para que nós mulheres possamos cultivar o autoamor, bem como romper com os padrões eurocêntricos de beleza. E como sustentar este processo sem rever o que se acha bonito na própria cidade onde se vive?

Afinal, o que é ser bela? De qual beleza estamos falamos? Como eu me olho no espelho? Qual beleza é refletida no espelho? O que se encontra dentro do espelho? Como eu projeto o meu olhar sobre o espelho? Qual é o poder que este objeto incide sobre nós? Como utilizá-lo de modo afetivo e saudável? O espelho realmente reflete aquilo que sou? E ao criar um vídeopoema, a câmera vira um espelho da cidade?

Remover de nossas consciências as imagens que são construídas sobre nós e as imagens idealizadas e violentas que também são construídas sobre os lugares onde habitamos são posicionamentos transgressores e urgentes na atualidade. Questionar estas estruturas de poder é um posicionamento de empoderamento que nos motiva a termos olhares diferentes sobre nós e assim compreendermos o que bell hooks (2019) aponta quando diz que é preciso "ousar nos olharmos e vermos de maneiras diferentes."

Percorrer as ruas de Curitiba rotulada ainda hoje como "cidade modelo" é enxergar uma negritude que se encontra em cada esquina que se abre desobediente às histórias de negação e invisibilidade da população negra no Paraná. As imagens deste vídeopoema, que se pretende ser uma instalação, foram filmadas em dois dias do inverno de agosto de 2019 e foram realizadas sem roteirização de maneira espontânea. As cenas foram gravadas na minha casa, em frente a um ponto central da cidade, Praça Santos Andrade, e em demais localidades de Curitiba: Rua Saldanha Marinho, Terminal Guadalupe, Rua São Francisco, Praça Tiradentes, Escadarias do TUC, Avenida Marechal Deodoro.


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